O artigo 23 do decreto Lei 1455 de 1976 causa uma série de problemas e serve de fundamento para toda sorte de pretensões fazendárias sob o amplo abrigo de “dano ao erário” em casos de suposta interposição fraudulenta, que tem seu fundamento no citado artigo, sendo tipificada no artigo 23, V, do Decreto-Lei nº 1.455/1976, com redação da Lei nº 10.637/2002, que considera dano ao erário, em relação às infrações referentes às mercadorias "estrangeiras ou nacionais, na importação ou na exportação, na hipótese de ocultação do sujeito passivo, do real vendedor, comprador ou de responsável pela operação, mediante fraude ou simulação, inclusive a interposição fraudulenta de terceiros".
No caso do projeto de lei em comento, o parlamentar levou em consideração na sua justificativa: “os requisitos de fiscalização do comércio exterior, os quais permitem diferenciar de forma clara a operação realizada com interposição fraudulenta daquela aquisição de mercadoria por conta e ordem de terceiro ou por encomenda devidamente registrada nos órgãos oficiais. O rigor, é claro, justifica-se no combate à fraude. Todavia, a legislação atual, nos moldes em que foi redigida, acaba por presumir fraudulentas ambas as situações postas, inclusive aquelas em que não há a “quebra da cadeia” do Imposto sobre Produtos Industrializados.”
Para melhor compreensão do tema segue-se o texto do referido artigo seguido de trecho da proposta legislativa. Assim diz o referido dispositivo (grifos nossos):
Art. 23. Consideram-se dano ao Erário as infrações relativas às mercadorias: I - importadas, ao desamparo de guia de importação ou documento de efeito equivalente, quando a sua emissão estiver vedada ou suspensa na forma da legislação específica em vigor; II - importadas e que forem consideradas abandonadas pelo decurso do prazo de permanência em recintos alfandegados nas seguintes condições:
a) 90 (noventa) dias após a descarga, sem que tenha sido iniciado o seu despacho; ou
b) 60 (sessenta) dias da data da interrupção do despacho por ação ou omissão do importador ou seu representante; ou
c) 60 (sessenta) dias da data da notificação a que se refere o Artigo 56 do Decreto-Iei número 37, de 18 de novembro de 1966, nos casos previstos no Artigo 55 do mesmo Decreto-lei; ou
d) 45 (quarenta e cinco) dias após esgotar-se o prazo fixado para permanência em entreposto aduaneiro ou recinto alfandegado situado na zona secundária.
III - trazidas do exterior como bagagem, acompanhada ou desacompanhada e que permanecerem nos recintos alfandegados por prazo superior a 45 (quarenta e cinco) dias, sem que o passageiro inicie a promoção, do seu desembaraço;
IV - enquadradas nas hipóteses previstas nas Alíneas " a " e " b " do parágrafo único do artigo 104 e nos Incisos I a XIX do artigo 105, do Decreto-lei número 37, de 18 de novembro de 1966.
V - estrangeiras ou nacionais, na importação ou na exportação, na hipótese de ocultação do sujeito passivo, do real vendedor, comprador ou de responsável pela operação, mediante fraude ou simulação, inclusive a interposição fraudulenta de terceiros.
§ 1º O dano ao erário decorrente das infrações previstas no caput deste artigo será punido com a pena de perdimento das mercadorias.
§ 2º Presume-se interposição fraudulenta na operação de comércio exterior a não-comprovação da origem, disponibilidade e transferência dos recursos empregados.
§ 3º As infrações previstas no caput serão punidas com multa equivalente ao valor aduaneiro da mercadoria, na importação, ou ao preço constante da respectiva nota fiscal ou documento equivalente, na exportação, quando a mercadoria não for localizada, ou tiver sido consumida ou revendida, observados o rito e as competências estabelecidos no Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972.
§ 4º O disposto no § 3º não impede a apreensão da mercadoria nos casos previstos no inciso I ou quando for proibida sua importação, consumo ou circulação no território nacional.
A seguir o projeto de lei:
PROJETO DE LEI Nº , DE 2016 (Do Sr. COVATTI FILHO) Altera o art. 23 do Decreto-Lei nº 1.455, de 7 de abril de 1976, para excluir as importações por conta e ordem de terceiros, bem como as importações por encomenda, da presunção de interposição fraudulenta nas operações de comércio exterior. O Congresso Nacional decreta: Art. 1º O Art. 23 do Decreto-Lei nº 1.455, de 7 de abril de 1976, passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 23................................................................................. .............................................................................................
§ 5º Não se presume interposição fraudulenta nas operações de comércio exterior as importações por conta e ordem de terceiros bem como as importações por encomenda quando assim caracterizadas nos termos da legislação específica. ..................................................................................” (NR)
Art. 2º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
A justificativa do projeto é de essencial leitura em vista de sua relevância e lucidez sobre a situação das empresas atuantes no comércio exterior:
JUSTIFICAÇÃO A Lei n° 10.637/02 normatizou, em seu art. 59 (que remete ao art. 23 do Decreto Lei nº 1455/76), o conceito de interposição fictícia de pessoas para a área aduaneira, denominando-o de interposição fraudulenta de terceiros em operações de comércio exterior. O referido dispositivo alterou a redação do artigo 23, do Decreto-Lei nº 1.455, de 07 de Abril de 1976, que define as infrações que causam dano ao Erário, acrescentando-lhe o inciso V, além de quatro novos parágrafos. Art 23. Consideram-se dano ao Erário as infrações relativas às mercadorias: (...) V - estrangeiras ou nacionais, na importação ou na exportação, na hipótese de ocultação do sujeito passivo, do real vendedor, comprador ou de responsável pela operação, mediante fraude ou simulação, inclusive a interposição fraudulenta de terceiros. § 1o O dano ao erário decorrente das infrações previstas no caput deste artigo será punido com a pena de perdimento das mercadorias. § 2o Presume-se interposição fraudulenta na operação de comércio exterior a não-comprovação da origem, disponibilidade e transferência dos recursos empregados. § 3o A pena prevista no § 1o converte-se em multa equivalente ao valor aduaneiro da mercadoria que não seja localizada ou que tenha sido consumida. § 4o O disposto no § 3o não impede a apreensão da mercadoria nos casos previstos no inciso I ou quando for proibida sua importação, consumo ou circulação no território nacional. A interposição fraudulenta de terceiro a que se refere a nova redação do artigo ocorre através da ocultação dos verdadeiros responsáveis pela operação de comércio exterior, que fraudulentamente se fazem representar por interposta pessoa com a intenção deliberada de causar dano ao erário mediante fraude e simulação. Tais fraudes podem ser apuradas pela fiscalização de forma direta, com a apuração objetiva de elementos que comprovem, de forma inequívoca, a ocultação do real adquirente da mercadoria (ação direta), ou mediante presunção de interposição fraudulenta frente a não comprovação da origem, disponibilidade e transferência dos recursos empregados em uma operação de comércio exterior, possibilidade introduzida pelo art. 59 da Lei n° 10.637/02. 3 Assim, ao não informar a origem dos recursos, se presume que o agente cometeu a citada infração e fica sujeito às penalidades daí advindas, quais sejam, o perdimento de mercadoria ou multa específica (art. 23, §§ 1º e 3º, do decreto-lei 1.455/76) e a inaptidão do seu CNPJ (art. 60, Lei nº 10.637/02). Nesse cenário, ocorre a chamada “quebra da cadeia de tributos”, uma vez que, oculto o real adquirente da mercadoria, o valor do imposto sobre produtos industrializados (IPI) não será destacado na nota de saída e, consequentemente, não incidirá no próximo elo da cadeia de fornecimento sujeita ao imposto (revenda de mercadoria importada). Estará, simuladamente, afastada a condição de contribuinte da operação do sujeito oculto. Por outro lado, a importação por conta e ordem de terceiro ou por encomenda é lícita em nosso ordenamento jurídico e requer o cumprimento de uma série de registros, conforme IN/SRF nº 634/2006 e INRFB nº 1.603/2015. Neste caso, o importador é a pessoa jurídica que promove, em seu nome, o despacho aduaneiro de importação de mercadoria adquirida por outra, em razão de contrato previamente firmado, que poderá compreender, ainda, a prestação de outros serviços relacionados com a transação comercial, como a realização de cotação de preços e a intermediação comercial. Para que se realize esta aquisição no exterior, o importador deve estar registrado no “Radar” – a habilitação para utilizar o Sistema Integrado de Comércio Exterior (Siscomex) –, e o encomendante deve ser declarado previamente ao fisco, o qual assume a condição de responsável solidário em relação aos impostos. Na entrada da mercadoria, o registro da Declaração de Importação (DI) fica condicionado à prévia vinculação do importador ao encomendante ou adquirente no Siscomex, nos termos do art. 24 da IN RFB nº 1.603, de 2015. Havendo contrato previamente estipulado, vinculando o importador ao encomendante ou adquirente da mercadoria, não há que se falar em “quebra da cadeia de tributos”, uma vez que, repisa-se, o registro da 4 Declaração de Importação (DI) fica condicionado à prévia apresentação do contrato e vinculação dos contratantes no Siscomex, comprovando o pagamento dos tributos em todas as etapas da operação. Portanto, há a declaração prévia acerca da origem, disponibilidade e transferência dos recursos empregados. Como se vê, muitos são os requisitos de fiscalização do comércio exterior, os quais permitem diferenciar de forma clara a operação realizada com interposição fraudulenta daquela aquisição de mercadoria por conta e ordem de terceiro ou por encomenda devidamente registrada nos órgãos oficiais. O rigor, é claro, justifica-se no combate à fraude. Todavia, a legislação atual, nos moldes em que foi redigida, acaba por presumir fraudulentas ambas as situações postas, inclusive aquelas em que não há a “quebra da cadeia” do Imposto sobre Produtos Industrializados. Com isso, mesmo as empresas importadoras que possuem o regular registro no sistema Radar do Siscomex, atentas a todo o procedimento de habilitação atualmente exigido por lei, operam sempre sob o risco de terem suas importações presumidas como fraudulentas e penalizadas com o perdimento dos produtos importados decorrente de mera presunção de fraude. Ora, mostrando-se, desde o registro do importador no Sistema Interno uma operação idônea, contando com todas as informações pertinentes à cadeia comercial que se estabelece, se mostra desnecessária a aplicação da presunção de interposição fraudulenta às empresas contratantes, principalmente no que tange às de pequeno e médio porte. Aqueles que operam as relações de comércio exterior dispendem consideráveis quantias com as suas devidas obrigações tributárias; as empresas de menor porte, todavia, que da mesma forma ficam à mercê de uma fiscalização que presume suas operações como fraudulentas a qualquer tempo, encontram ainda maiores dificuldades física e financeira em arcar com os desdobramentos oriundos da penalização prevista, ainda que cumpram regularmente com as obrigações acessórias de registros e habilitações necessárias. 5 Esse mecanismo de proteção do Estado desestimula os médios e pequenos empresários do setor, que lidam constantemente com o alto risco inerente à atividade que a legislação fez surtir. Não apenas isso, a circunstância aumenta ainda mais a desvantagem das empresas de médio e pequeno porte, diminuindo a concorrência frente aos grandes empresários. Destarte, tendo em vista o cumprimento de todos os requisitos legais impostos pelo importador por conta e ordem, e a injusta presunção de fraude que ainda assim recai sobre a idônea empresa que não pratica a quebra da cadeia do IPI, faz-se necessária alteração no art. 23 do Decreto-Lei 1.455/76, com o fito de facilitar a operação e incentivar a competitividade das pequenas e médias empresas do ramo. Ressalva-se que a alteração normativa pretendida não terá impacto na arrecadação de tributos, pois nas importações por conta e ordem de terceiro ou por encomenda devidamente registradas não há “quebra da cadeia” de IPI, restando adimplida toda obrigação tributária decorrente. Pelo contrário, trará competitividade no mercado às pequenas e médias empresas, e estímulo às importações idôneas. Assim, o objetivo deste Projeto de Lei é dar segurança jurídica e viabilizar as importações por conta e ordem de terceiro, bem como as importações por encomenda, afastando-se o risco de que as mesmas possam ser presumidas como interposição fraudulenta. Ante o exposto e tendo em vista a imensa relevância desta medida para as operações de comércio exterior gostaria de contar com o apoio dos nobres pares nesta Casa para a rápida aprovação do Projeto de Lei em tela. Sala das Sessões, em 15 de março de 2016. COVATTI FILHO DEPUTADO FEDERAL PP/RS
Conclui-se que aprovação do referido projeto representará um grande avanço no panorama atual do trato das infrações aduaneiras.
Nesta data (22/11/23) o mesmo constava como tendo sido retirado de pauta de uma das comissões. Esperamos que volte logo à discussão para aprovação; toda a comunidade aduaneira torce por isto.